23 de março de 2009

"Leito de Folhas Verdes"

"[...]
A flor que desabrocha ao romper d'alva
Um só giro do sol, não mais vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida.

Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca terei: serás meu, serei tua!
[...]"

Adaptado de: Gonçalves Dias

"É ela! É ela! É ela! É ela!"

É ela! É ela! - murmurei tremendo
E o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi - minha fada aérea e pura -
A minha lavadeira na janela!

Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as
saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estavam nos meus passos
Ir espiar seu
ventuoso sono,
Vê-la mais bela de
Morfeu nos braços!

Como dormia! que
profundo sono! ...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
um bilhete que estava ali metido...

Oh! decerto... (pensei) é doce página
onde a alma derramou gentis amores;
são versos dela... que amanhã decerto
ela me enviará cheios de flores...

Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
eu beijei-a a tremer de devaneio...

É ela! é ela! — repeti tremendo;
mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!


por: Manuel Antônio Álvares de Azevedo